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terça-feira, agosto 07, 2007

Ignorância ou má fé?

O Reinaldo Azevedo achou esta pérola na Folha de SP de hoje, de autoria de um tal Marcos Nobre (professor da Unicamp, segundo consta):

"A superlotação das prisões é a outra face do Real e do modelo de desenvolvimento que inaugurou. As exportações e o investimento externo continuam crescendo na mesma proporção do aumento da violência."

Ora, achamos a solução para a superlotação das prisões. É só trocar o nome da moeda e mandar o Banco Central cuspir moeda na praça a um ritmo frenético. Assim, teríamos uma nova moeda, tão vagabunda quanto os cruzeiros, cruzados e afins do passado, e o problema das prisões estaria resolvido. Talvez fechar o país e proibir exportações e entrada de capitais externos também ajude. Da mesma forma que a queda no número de piratas no mundo explica o aquecimento global (ver gráfico abaixo), o "neoliberalismo" explica o aumento da população carcerária no Brasil. Brilhante!

Ironias à parte, é difícil saber qual a proporção entre pura ignorância e a mais completa má fé do autor. Como se trata de um professor de uma das mais prestigiadas universidades do país, ambas as hipóteses são igualmente deploráveis.

quinta-feira, julho 19, 2007

Só a ponta do iceberg...

Em 24 horas Jack Bauer é capaz de salvar o mundo, mas o nosso presidente não consegue ir a público para, pelo menos, manifestar alguma consternação com o maior acidente da história da aviação brasileira. Isso para não mencionar que a empresa que administra os aeroportos é estatal, assim como o controle de vôo e, tirando as companhias aéreas, quase tudo que diz respeito a transporte aéreo no país. Se acrescentarmos que este é o segundo acidente gravíssimo em menos de um ano que, ao menos parcialmente, parece ter como responsáveis profissionais subordinados ao governo federal, temos a impressão de estarmos vivendo dentro de uma piada, de humor negro e extremo mau gosto.

O restante do enredo da piada já é conhecido, e o desfecho só tem graça para o grupelho que está tentando se perpetuar no poder: começa-se uma investigação em busca dos responsáveis, que vai se atolar em informações desencontradas, má vontade e incompetência. Depois de meses, quando os ânimos da população e da oposição estiverem esfriados, será encontrado um bode expiatório: o piloto, a Airbus, São Pedro, Baal... E a roleta russa do transporte aéreo no Brasil continuará. Até quando?

Lula e seu séqüito de çábios (será que o dr. Mangabeira Unger já está pensando em uma “ação de longo prazo” para o transporte?) precisam perceber que, no momento, mais importante do que tentar achar culpados para a tragédia passada é tomar providências para que eventos do mesmo tipo não se repitam no futuro (como se precisássemos de mais uma tragédia para lembrar disso...). É inadmissível que o governo não consiga liberar recursos ou organizar uma parceria com a iniciativa privada para investir em obras de infra-estrutura tão urgentes. Tão inadmissível que só é possível encontrar explicação para tanto descaso na mais simples e descarada falta de vontade. Afinal de contas, Lula governa para “o povo”, o que exclui a “elite”, da qual fazem parte os cerca de 15 milhões de brasileiros que utilizam transporte aéreo em um ano. Estes, que relaxem e gozem.

A estupidez brutal que está fazendo o governo perder uma das maiores oportunidades (só para lembrar, crescimento global exuberante, confortável situação externa do país, inflação baixa, alta popularidade do presidente e elevada confiança da população) de sua história para promover reformas que colocariam o país no caminho do desenvolvimento de longo prazo é pequena perto da crueldade que é submeter, por puro desleixo e incompetência, tantos cidadãos a inúmeros transtornos e riscos. A Tailândia entregou no ano passado um aeroporto internacional novíssimo, ao custo de US$ 3 bilhões, com capacidade para 45 milhões de passageiros por ano – mais do que o dobro do tráfego anual de Congonhas. O Brasil não teria a menor dificuldade de levantar, no mercado internacional, a juros baixos e prazos longos, esse montante (o impacto na dívida pública seria irrisório), para ficar em apenas uma das soluções mais simples. De onde se vê, novamente, que o problema passa longe da falta de acesso a recursos.

Outra medida bem-vinda seria a privatização da Infraero e do controle aéreo. O capitalismo pode não conseguir salvar o mundo, mas é terrivelmente eficiente em fiscalizar companhias. Ao contrário do que observamos hoje no estatismo brasileiro, empresas privadas não gozam do benefício da dúvida – haja vista o que aconteceu hoje com os preços das ações da TAM. Na incerteza da culpa e das conseqüências, o mercado puniu os acionistas da empresa com uma perda de 8.6% do capital investido. Se isso for um exagero momentâneo, será corrigido rapidamente. Se não, os acionistas poderão pressionar a direção da empresa para que seu valor seja recuperado. Esse sistema de “enforcement”, ainda que também sujeito à distorções, jamais conseguirá ser igualado pelo nosso sistema judiciário. A observação dos analistas e investidores, se não sempre precisa, é temida e ininterrupta, pelo simples fato de envolver dinheiro muitas vezes conseguido à duras penas.

O colapso do transporte aéreo nacional e suas centenas de vítimas fatais é apenas uma das faces do imobilismo, leniência e descaso de nossos governantes. Desde o dia em que tomou posse na presidência, o PT apenas tem se preocupado em aparelhar a máquina estatal e o partido, aliciar o maior número possível de aliados e tentar garantir a permanência no poder. Teve a sorte de encontrar uma conjuntura econômica rara e absolutamente benigna, que fez com que o país entrasse em uma rota de estabilidade e crescimento razoável sem muitos sacrifícios. A maioria da população, sem acesso à informação e observando uma melhora considerável no padrão de vida, não enxerga a corrosão lenta e constante do estado: o sucesso econômico age como um grande tapete, para baixo do qual é varrida toda a sujeira gerada por nossos políticos.

Assim como eu torci para que a seleção de futebol se arrebentasse na Copa América, para que houvesse a possibilidade de que fosse notada a idiotice que é colocar um amador para ocupar um cargo de importância (você entraria num prédio projetado por um estudante de segundo ano de engenharia civil?), me resta esperar por uma crise econômica de grandes proporções até 2010. A oposição, desagregada e inoperante, não parece capaz de lançar uma alternativa ao lulismo, de forma que só uma deterioração nas condições de vida de grande parte da população pode fazer com que o país mude seu voto e tenha a possibilidade de sair do atual ciclo de mediocridade institucional e operacional. Eu costumo dizer que, se, em 2010, o país estiver crescendo a 5% ao ano, com inflação baixa e continuidade dos programas sociais mais rudimentares, Lula elege dona Marisa como sua sucessora. É evidente que isso carrega uma boa dose de brincadeira, mas neste caso o tal fundo de verdade é simplesmente assustador.

sexta-feira, junho 15, 2007

Rabbit, Run

Anteontem tive o imenso prazer de comparecer a um encontro com o escritor peruano Mario Vargas Llosa, por conta do relançamento, em Português, de dois dos seus romances: “A cidade e os cachorros”, a sua primeira obra do gênero, lançada na Espanha quando ele tinha apenas 26 anos e “Pantaleão e as visitadoras”, talvez seu livro de maior sucesso popular, de 1973. Vargas Llosa ganhou projeção fora do mundo literário em 1990, quando se candidatou à presidência do Peru. Com uma agenda radicalmente liberal e reformista, que visava recuperar o país do colapso econômico do primeiro mandato de Alan García e livrar o país do terror imposto pelo Sendero Luminoso, ele despontou inicialmente como grande favorito, sendo, porém ,derrotado nas últimas semanas de campanha por um obscuro engenheiro chamado Alberto Fujimori. Este passou à condição de ditador dois anos depois, em um bizarro “auto-golpe de estado”, que desviou mais uma vez o Peru do caminho da democracia. Posteriormente, Vargas Llosa narrou suas desventuras na corrida presidencial (alternadas com memórias de sua infância e adolescência) em “El pez em el agua” (que, salvo engano, não foi traduzido para o Português).

Embora curta, a trajetória política de Mario Vargas Llosa é tão excitante quanto a sua extensa carreira como escritor, e por isso fiquei um pouco decepcionado pelo fato de o debate ter se concentrado em aspectos literários. De qualquer forma, foi uma grande oportunidade para ouvir um grande escritor (talvez um dos mais importantes do mundo ainda vivo) falar sobre suas inspirações, influências (Sartre, Faulkner, Flaubert e o nosso Euclides da Cunha, que eu ainda, vergonhosamente, não consegui digerir), técnicas e estilo. Mas o que mais me impressionou foi, em resposta a uma pergunta da platéia sobre um possível “fim da literatura”, a defesa enfática e apaixonada feita por ele do livro, esse quase esquecido em nossos dias. Segundo ele, o livro, além de uma fonte inesgotável de prazer, é um promotor da democracia. Afinal, a leitura desperta o inquietamento e o questionamento: a boa literatura é provocativa, nos mostra novas maneiras de pensar e sentir, nos traz informações de outras regiões e culturas, nos incita a comparar e relativizar. Um cidadão que lê bastante é menos passível de ser ludibriado por seus governantes, e passa a ser um vigilante, um guardião do bom-senso e um combatente do autoritarismo. Ainda no pensamento de Vargas Llosa, as ditaduras costumam ter consciência desse poder da palavra escrita, frequentemente ceifando-o por meio da censura, direta ou indireta, e da perseguição a escritores.

Ainda que se possa argumentar que Vargas Llosa tenha exagerado na importância do livro para a democracia, sua postura é perfeitamente coerente com sua trajetória como intelectual. Ele sempre usou seus romances para denunciar a fraqueza institucional do Peru e sua pobreza e desigualdade. Ele é, parafraseando uma expressão aplicada ao grande Paulo Vanzolini, um intelectual “de unha suja”, que formou suas impressões a partir de viagens, experiências pessoais e um senso agudo de observação, aliado a uma crença inabalável no liberalismo e uma aversão às arbitrariedades de qualquer governo não-democrático. Poucos chegaram em seu nível de lucidez ao analisar os problemas crônicos da América Latina: ao invés de colocar a culpa de nossa pobreza e estagnação no “imperialismo”, na exploração capitalista e na busca incessante pelo lucro, ele costuma apontar como males maiores a incompetência e as tentações autoritárias dos nossos governantes, que, num círculo vicioso, se aproveitam da falta de educação do povo e a alimentam, para perpertuarem eles próprios e seus pequenos grupos de interesse no poder.

Resta pouca dúvida de que um dos caminhos mais diretos para se quebrar esse círculo é a universalização da educação e um trabalho árduo para a melhoria de sua qualidade (não basta o que foi feito, por exemplo, no Brasil - a transformação de legiões de completos analfabetos em legiões de analfabetos funcionais). Nesse sentido, tentando seguir a lógica aplicada por Vargas Llosa, seria justo afirmar que mais educação de qualidade implicaria em mais leitores (ou seja, demandantes de livros) críticos, contestadores e em condições de tomarem decisões conscientes e informadas. Sob essa ótica, é muito interessante observar uma estatística publicada pela Unesco (infelizmente atualizada apenas até 1996), que mede o número de novos títulos de livros lançados por ano em um grupo de países (que eu transformei para termos per capita, por razões óbvias). Não é preciso muito esforço para concluir que, com pouca dúvida, a oferta de novos títulos é uma função (dentre outros fatores) da demanda percebida por livros (duh...) e, consequentemente, do interesse da população de um determinado país por informação e conhecimento. O gráfico abaixo (clique para aumentar) deixa pouca dúvida de que Vargas Llosa está pelo menos vagamente correto. Os países no topo desse ranking são as democracias mais avançadas do mundo que, com frequência, aparecem na frente em comparações de outros diversos indicadores de desenvolvimento. Nosso Brasil e o Peru de Vargas Llosa fazem companhia a uma série de outros subdesenvolvidos, e devem continuar lá enquanto não passarem por profundas reformas (é curioso também observar como os Estados Unidos destoam de outros países ricos, mas isso é tema para outra longa análise).

Divagações econômicas à parte, a idéia era render uma homenagem a um dos mais brilhantes ficcionistas e intelectuais do nosso continente, na ocasião de sua passagem por São Paulo. É com esse espírito que encerro este texto. Devemos muito a Vargas Llosa pela qualidade de sua arte, mas deveríamos muito mais se passássemos a seguir seu inconformismo com a desonestidade, a ignorância e o obscurantismo que, muitas vezes, nos são impostos. Vida longa para "el conejo"!