quinta-feira, abril 28, 2005

# 11

Uma das primeiras lembranças de eventos esportivos que tenho é a final do futebol olímpico de 1988, em Seul. O jogo era Brasil x União Soviética, e a nossa equipe contava com, entre outros bons jogadores, Taffarel, Bebeto, Jorginho e um baixinho (1,69 m), na época com 22 anos, que atendia pelo até então pouco ouvido nome de Romário. Não me recordo do placar, o fato é que o Brasil perdeu o jogo e eu, como boa criança que era, chorei.

Cinco anos depois, já consagrado na Europa e até então vetado na seleção, Romário foi chamado como o salvador da pátria, para um jogo contra o Uruguai, no Maracanã. O Brasil andava capengando nas eliminatórias e precisava vencer aquela partida para garantir a ida ao Mundial de 94. O resto da história todo mundo sabe: ele meteu dois gols, salvou a cabeça do Parreira e o Brasil foi aos Estados Unidos.

A Copa foi a consagração definitiva. Romário pintou e bordou: marcou 5 gols (um deles particularmente memorável, na semifinal, um toque de gênio no meio da defesa holandesa) , deu passes para outros tantos, desviou-se sabiamente da bola chutada pelo Branco que seria o gol decisivo contra a Holanda, converteu o pênalti na final e ergueu a taça, como o grande herói da conquista. No mesmo ano foi eleito o melhor do mundo, como era de se esperar.

Depois do auge e do reconhecimento, nosso craque deixou o Barcelona e transitou entre o Flamengo e o Valencia. Experimentou a desilusão de ser cortado da seleção por contusão, às vésperas do Mundial de 98 (e tivemos que amargar o Bebeto fazendo dupla de ataque com o Ronaldo). Desde então, alterna bons e maus momentos, sempre jogando em clubes da cidade que nunca quis abandonar, o Rio de Janeiro.



Quem acompanhou tudo isso não teve como não se emocionar ontem, na despedida de Romário com a camisa da seleção. Tudo bem que era um jogo arranjado pela Globo, contra um adversário pífio, mas me arrepiei com o nanico dando a volta olímpica e sendo aclamado pelo Pacaembu, ao ser substituído. Mais uma vez, Romário não decepcionou, e conseguiu anotar mais um gol com a amarelinha. Fez também uma bela homenagem à filha mais nova, portadora da Síndrome de Down, ao mostrar uma camiseta que dizia: "Tenho uma filhinha que é down e que é uma princesinha".

Romário vai fazer muita falta nesse nosso mundo, cada vez mais pasteurizado e politicamente correto. Ele nunca teve vergonha de dizer o que pensava, por mais que fosse causar polêmica. Arrumou muita confusão por conta dessa característica - com Zico, com Zagallo, com Pelé (deu uma das melhores definições do Rei, ao dizer que "Pelé calado é um poeta, tinha era que colocar um sapato na boca"), com Ronaldo ("fenômeno de marketing" - não que eu concorde). Não gostava de treinar, de concentração, de dar atenção para a imprensa. Curtia mesmo era uma boa noitada, mulheres, carrões e fazer o que mais sabia: jogar bola - seja profissionalmente, seja nas peladas e partidas de futvôlei na praia. Na era da bajulação, da falsa humildade e da imagem, conseguiu se destacar apenas pelas suas habilidades e qualidades. Romário sempre foi Romário, um ser humano, com qualidades e defeitos, que não escondia isso de ninguém. Mereceria admiração apenas por isso, mas foi além e colocou o nome na história do esporte mais popular do mundo.

Ontem soltou mais uma de suas pérolas, mais característica, impossível: "Não sou unanimidade nem na minha família. Não sou exemplo pra ninguém. Diria ao Robinho para não fazer 90% do que fiz fora do campo. Mas, se ele fizer 60% do que fiz dentro de campo, estará muito bom". Amém, Romário, Amém.

quarta-feira, abril 27, 2005

Ave, Struz!

Esqueça fundos de investimento. Esqueça caderneta de poupança, ouro, petróleo. Ações? Nem pensar. Hoje em dia o negócio mais lucrativo do mercado é investir em avestruzes. Os simpáticos animais ganham cerca de 100 kg em um ano - superando em muito os meus sucessivos recordes de ganho de peso nos últimos tempos. Você compra o bichinho recém saído do ovo por R$ 1800, sabendo que ele valerá R$ 3200 em alguns meses - descontado os impostos e custos de criação, a rentabilidade é de quase 50%. Da avestruz tudo se aproveita, desde a carne (tenra, saborosa, nutritiva) até as penas. As avestruzes são robustas, dificilmente adoecem. Um ovo de avestruz equivale a 24 ovos de galinha - imagine o tamanho da omelete. Difícil não ficar fã dos estrutioniformes (parece xingamento, mas é a classificação científica dos bichões).



No Brasil, é muito fácil ter uma avestruz. Várias fazendas de criação captam recursos do público interessado em aplicar suas economias em algo mais, digamos, heterodoxo. Funciona mais ou menos assim: você procura uma dessas fazendas, transfere os seus recursos e a fazenda se compromete a usá-los na criação de avestruzes. Algumas até oferecem o número do chip usado para controle do rebanho - sim, sua avestruz existe fisicamente, e você pode até trocar o impessoal número fornecido por um nome mais simpático. Não sei o porquê, mas Gertrudes me parece um nome adequado para uma avestruz. Voltando ao tema: quando a Gertrudes ficar grandinha, vai para o abate (portanto, é prudente evitar a criação de vínculos muito fortes) e você recebe o lucro. Moleza, não?

Porém, como diria o economista ranzinza, "não existe almoço grátis". O mercado internacional de carne de avestruz pode entrar em colapso. O Joãosinho Trinta pode decretar que a era das plumas no carnaval carioca está encerrada. E, em se tratando do Bananão, o mais provável: a Gertrudes pode não existir. O seu suado dinheirinho, ao invés de virar uma avestruz, virou uma viagem para esquiar na Suíça - e você nem foi convidado! Alguém ainda lembra das Fazendas Boi Gordo? Releia o parágrafo acima, trocando "avestruz" por "boi". A mecânica era bem parecida, e muita gente embarcou nessa onda nos anos 90, no embalo da novela global "Rei do Gado". Inicialmente, rendimentos fantásticos. Você era aconselhado a reinvestir os seus ganhos nas fazendas - por que não? Depois de um tempo, entrou água. Era tudo uma grande picaretagem. Sorte de quem foi mais prudente e deixou a poupança embaixo do colchão.

Mas há como diminuir esses riscos. Vou comprar um ovo de avestruz, já fertilizado, obviamente. Minha cama vai virar um verdadeiro ninho. Convidarei os amigos para presenciar o nascimento da Gertrudes (com direito a distribuição de charutos), e a criarei como uma filha. Aceitarei doações de jornais velhos, para forrar o quarto que dividirei com ela. Trancarei a minha coleção de CDs em um armário, para evitar que Gertrudes os coma em um momento de fome. Com resignação, dormirei apertado quando ela se tornar uma adulta e atingir 2,7 m. Quando chegar o momento do abate, deixarei correr uma lágrima, mas levarei Gertrudes para o açougue (ou algo que o valha) com toda a honra que ela merece. Gertrudes morrerá com dignidade, será devidamente depenada, esfolada e esquartejada, sendo exportada para todo o mundo. E eu dormirei contente, com o meu espaço recuperado e o lucro no bolso. Sonharei com o nome da minha próxima avestruz: Isabel? Márcia? Clara? Dias felizes me esperam.