terça-feira, novembro 28, 2006

O Procrastinador

A mente do procrastinador é doentia e ágil, muito ágil. Uma vez identificada a tarefa a ser realizada, ela calcula rapidamente, com uma precisão espantosa, quanto tempo será necessário para concluí-la. Depois, ocupa-se com outras tarefas completamente distintas e desconexas, até que soa um alarme avisando que só resta o tempo mínimo anteriormente calculado. E o corpo que se vire em suor, cabelos brancos e neurônios queimados para executar a tal tarefa. Na mente do procrastinador, o subconsciente domina o consciente, o racional é passado para trás.

Este texto é obra da mente de um procrastinador.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Chora, Brasil

É de morrer de rir o nível das discussões de política econômica para o próximo mandato presidencial. Ou melhor, seria de morrer de rir se não fosse de chorar, já que as decisões dos sábios de Brasília afetarão diretamente nossas vidas nos próximos anos.

Pois bem. Quando Lula foi eleito presidente, em 2002, sua equipe econômica tinha como missão principal estabilizar o que o próprio PT tinha desestabilizado. Ou seja, combater os efeitos do terremoto ocorrido naquele ano no mercado financeiro, causado pela absoluta falta de confiança dos agentes no então candidato que liderava as pesquisas. A onda especulativa jogou o câmbio para perto dos R$ 4,0 / US$, a inflação para 12,5% ao ano, o spread do C-Bond (o título da dívida externa mais negociado na época) para mais de 2000bps (ou seja, juros anuais 20% acima de um título americano equivalente) e forçou, posteriormente, o Banco Central a levar os juros básicos para 26,5%. A situação, que colocava o país na beira do abismo do calote da dívida soberana, requeria um choque de credibilidade, e este foi dado, em grande parte, por um Banco Central competente e um ministro da fazenda de rara habilidade política, que soube se cercar de uma equipe capaz e resguardá-la dos freqüentes ataques vindos do próprio partido, empresários, mídia e afins.

O desenrolar dessa gestão eficiente fez com que, passados quatro anos e descontadas algumas presepadas, um dólar possa ser comprado por pouco mais de dois reais, a inflação encontre-se ao redor dos 4,0% ao ano, o C-Bond tenha sido totalmente resgatado (bem como quase toda a dívida externa soberana) e a Selic beire os 13,0%, com totais condições de seguir caindo (obviamente não se pode ignorar a “ajudinha” proporcionada pelas condições de liquidez mundiais mais abundantes da história, mas não é o caso tratar delas aqui). Fez também com que o governo federal tivesse condições de pôr em funcionamento uma potente máquina de assistencialismo, que, entre outros motivos e apesar da ação de mensaleiros, sanguessugas, aloprados e outras pragas, garantiu a Lula mais de 60 milhões de votos e mais um mandato de quatro anos.

Passada a farra das eleições (como bem disse Vinícius, “dia de festa é véspera de muita dor”), chegou a hora de definir o que fazer com o Bananão de 2007 em diante. Foi quando alguém assoprou no ouvido do “nosso guia” que, nos quatro anos anteriores, o país simplesmente esquecera-se de crescer. Que tragédia! Façamos, portanto, o país crescer! 5% ao ano parece um bom número. E aí começa o FEBEAPÁ (Festival de Besteiras que Assola o País, para quem ainda não teve a alegria de ler Stanislaw Ponte Preta), versão novo milênio. Primeiro, execremos as políticas “anti-crescimento” (estranhamente, depois de um bom tempo estudando economia, ainda não descobri nenhuma linha de pensamento, de qualquer orientação ideológica, que vise destruir o produto. Vai saber...). Viva o desenvolvimentismo! Bem, para crescer, precisamos investir, o mesmo passarinho disse. Então, o que estamos esperando para investir?! Não tentemos implementar reformas para incentivar a iniciativa privada a fazê-lo, o governo dá conta sozinho, ao menos por enquanto!

OK, mas de onde tirar recursos para os investimentos? Vejamos: a carga tributária já é bastante alta, aumentá-la acabaria por arrochar ainda mais o setor privado. Temos também que manter um superávit primário que, no mínimo, não faça a dívida pública crescer. Mas não podemos cortar os gastos correntes! Seria um disparate, a máquina estatal precisa ser alimentada, como os companheiros vão se virar sem os seus cargos, como acomodar a base aliada, como mexer no Bolsa-Família? Reformar a previdência, também, nem pensar! O que importa se a expectativa de vida sobe sensivelmente e a idade mínima para aposentadoria é mantida? O que importa se gastaremos em breve 8% do PIB com o INSS, e que o número de idosos no país crescerá 4% ao ano no próximo quarto de século*? Não podemos mexer com os aposentados e pensionistas, que, tão generosamente, nos deram seus votos! Conclusão: não temos folga no orçamento para investir. Devemos ser criativos.

E é agora que o Festival começa a esquentar. Criatividade é o forte dos economistas-companheiros. Por que copiar o que dá certo no resto do mundo? Aqui é diferente! Aqui a água não ferve a 100ºC, nem o dia tem 24 horas. Ora, já que o governo não pode economizar, de onde podemos tirar recursos, de bate-pronto, sem pensar muito (pensar dá um trabalho...)? Fácil, uma resposta com quatro letras: F-G-T-S.

O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço foi criado no governo Castello Branco, como forma de “compensar a extinção da estabilidade funcional nas empresas privadas”. Os empregadores contribuem, em contas individuais dos trabalhadores, com 8% do salário bruto. Os recursos do fundo (atualmente da ordem de R$ 170 bilhões) podem, posteriormente, serem sacados sob algumas condições (demissão sem justa causa, etc.), e são regidos por um obscuro Conselho Curador do FGTS (composto por representantes do governo, trabalhadores e empregadores), que, atualmente, os usa para financiar projetos de educação e saneamento. Na prática, é uma poupança compulsória, de difícil acesso e remunerada por juros escandalosamente abaixo dos de mercado (TR + 3%). Dada essa breve explicação, e voltando para a criatividade: hoje o companheiro Mantega anunciou que parte dos rendimentos da arbitragem de juros (com o dinheiro do fundo compra-se títulos que rendem, digamos, a taxa Selic) feita pela Caixa à custa do trabalhador de carteira assinada – estamos falando em até R$ 15 bilhões – será usada para financiamento de projetos de habitação popular. Não bastasse isso, seria injusto supor que, mesmo que esses projetos de fato beneficiem milhares de famílias, o dinheiro será canalizado para empreiteiras-companheiras, que devolvem parte do pagamento para outros companheiros do partido? A julgar pelo histórico recente, acredito que não.

O exemplo citado acima, creio, será apenas o primeiro de uma longa série. Enquanto puder, o PT preferirá não arriscar sua popularidade e seu capital político com reformas estruturais, tentando impulsionar o crescimento por meio de investimentos estatais com recursos obtidos por meio desses tipos de taxação disfarçada. Vão argumentar que “as elite” devem financiar benesses para os mais pobres. Mas acontece que “as elite” de verdade não dão por falta de, por exemplo, de 8% dos seus rendimentos. Esses 8% certamente fazem mais diferença para a verdadeira classe atualmente desfavorecida no Brasil, a dos trabalhadores de classe média-baixa, assalariados que não acessam os recursos do assistencialismo federal.

Deixando um pouco de lado o atentado aos aspectos essencialmente econômicos: há mais de 2.300 anos, Aristóteles ponderava que a comunidade política ideal é aquela onde a classe média é maior e mais respeitável do que as classes alta e baixa juntas. O governo está nos colocando no caminho exatamente oposto. E lá vem, de carona com o trenó do Papai Noel, o pacote fiscal de dezembro. É demais pedir um pouco de racionalidade? Talvez não, mas esperar por ela nesse ambiente é mais ingênuo do que contar com a chegada do piloto do tal trenó em nossas respectivas casas. Chora, Brasil.

* Essa estimativa é cortesia do brilhante Fabio Giambiagi, em artigo para a Folha de S. Paulo de 23/11.

quarta-feira, novembro 15, 2006

Piromania

Engraçado, quando eu acendi o isqueiro e aproximei da primeira placa de compensado, achei que aquilo não ia dar em nada. O isqueirinho, chocho, daqueles que se compra em mãozada com três unidades, parecia heróico ao acender um simples cigarro, não teria capacidade sequer de sujar de fuligem uma placa de mais de três metros de área, ainda por cima meio úmida. Mas assim que o fogo lambeu a madeira eu me animei, a chama parecia que ia “pegar”, e eu, inconsciente, mantive apertado o botão que libera a saída de gás. Quando soltei o tal botão, o fogo já tomava conta de uma área do tamanho de uma caixa de fósforos, bonito, estalando – aquela porcaria de compensado, uma maçaroca de retalhos de madeira, papelão e cola, queima que nem jornal, que saudade de fazer balão-galinha! No que saí andando e olhei por cima do ombro, a fumaça já era aparente. Dei uns cinquenta passos e virei para olhar novamente, que beleza!, o fogo havia subido e estava do jeito que o diabo gosta. Quando eu cheguei em casa, depois de tomar banho e comer, liguei a televisão e vi o plantão de notícias. Três carros de bombeiro, daqueles grandes, aquelas escadas Magirus esticadas, um espetáculo! Só consegui dormir, eufórico, seis horas depois, quando o plantão voltou, avisando que o fogo estava finalmente sob controle, não havia vitmas. Estava em paz com o meu Nero interior.

quarta-feira, novembro 01, 2006

#1 - How Blue Can You Get? : Classic Live Performances, 1964-1994

Os melhores álbuns ao vivo são aqueles que trazem um show completo, com algo especial e diferente de uma gravação de estúdio (nesse sentido, B.B. King gravou pelo menos dois discos históricos, “Live in Cook County Jail” e “Live at the Regal”). Isso faz com que uma coletânea de gravações ao vivo pareça um pouco estranha: fazem falta as conexões entre as músicas do repertório, as falas dos músicos nos intervalos, as interações com a platéia; enfim, falta passar ao ouvinte a impressão de que é possível voltar no tempo e se sentir protagonista de um momento memorável.

Entretanto, B.B. King, de qualquer maneira que seja apresentado, é uma lenda da música e um brilhante entertainer, o que faz com que a audição de “How Blue Can You Get?” seja fácil e prazerosa. Aqui está uma amostra ampla de quase toda a longa carreira de B.B. King, das lendárias apresentações dos anos de 1960 e 1970 até espetáculos mais recentes (e bem mais burocráticos). Vale como amostra, para despertar o interesse pelas performances incendiárias que fizeram com que um menino do Mississippi se tornasse, com justiça, o rei do Blues.

Lá, como cá

A última edição da "Rolling Stone" americana estampa na capa: o pior congresso da história. Boa sugestão de pauta para a recém lançada versão brasileira de um dos maiores símbolos da cultura pop. Assunto não vai faltar...