terça-feira, maio 10, 2005

Rubem Fonseca, 80

Na próxima quarta-feira (11), o mundo ganhará mais um ilustríssimo octogenário: Rubem Fonseca, talvez o maior escritor brasileiro vivo, assopra as suas 80 velinhas. Muito já foi e será dito nesses dias sobre sua obra e personalidade; vou dar a minha visão de leitor – completamente parcial e tendenciosa, já que me incluo na, a julgar pelas vendas de seus livros, numerosa legião dos admiradores desse mineiro (nasceu em Juiz de Fora) de alma carioca – sem a menor pretensão de fazer uma crítica consistente ou algo do tipo.

Eu “descobri” a obra de Rubem Fonseca numa época bastante apropriada. Tinha de 17 para 18 anos e estava na minha fase “rato de biblioteca”, frequentando assiduamente a Biblioteca Municipal John F. Kennedy. Abro um parêntese para fazer um reconhecimento: se tem algum serviço público que funciona razoavelmente (ou ao menos funcionava) bem em São Paulo, são as bibliotecas públicas. Apenas por ser cidadão, você tem acesso a acervos consideráveis, organizados e atualizados. É uma das formas mais simples e efetivas de se fazer justiça social: facilitar o acesso da população aos livros. Claro que só isso não é o suficiente, afinal de contas de nada adianta se o povão não sabe que existe ou não enxerga o valor desse tipo de serviço, e, nesse sentido, campanhas de divulgação e incentivo à leitura seriam muito bem-vindas. Aliás, acho que isso é em grande parte culpa do nosso sistema educacional, tema para outro texto. Fechando o parêntese e voltando ao tema principal: não sei direito o porquê (pode ter sido o fútil motivo de quase todos os livros serem publicados pela Companhia das Letras, minha editora favorita), mas um dia me chamou a atenção a estante repleta de obras de um tal Rubem Fonseca. Já tinha ouvido falar dele: a minissérie “Agosto”, baseada em um dos seus melhores romances, fez bastante sucesso na Globo; mas não tinha idéia de como era seu estilo ou de quais temas ele costumava tratar. Sendo assim, resolvi começar a explorar a obra “fonsequiana” por meio do recurso científico de escolher um livro pelo título mais atrativo. Caí em “Vastas emoções e pensamentos imperfeitos”. Depois desse pontapé inicial, em poucos meses devorei quase todos os seus outros romances e livros de contos. Um caso quase patológico de paixão por um escritor – quem gosta muito de ler com certeza coleciona um ou mais desses casos, nem sempre explicáveis racionalmente.



O gosto por Rubem Fonseca não costuma ser passível de meio termos. E é muito fácil malhar os seus livros. Os principais personagens de seus romances, o escritor frustrado Gustavo Flávio e o advogado-detetive Mandrake, são machistas, mulherengos e de difícil trato. Seus contos são povoados por tipos bizarros, incluindo anões, fisiculturistas, prostitutas que ouvem Beatles e aficionados por fezes. Fonseca faz questão de mostrar o quanto pesquisou e quão culto é, ao enfiar referências e teorizações sobre os mais diversos temas no meio de suas obras – e isso muitas vezes pode soar como pedantismo gratuito. E a pessoa Rubem Fonseca não faz a menor questão de se fazer simpática: disputa com Dalton Trevisan o título de escritor mais recluso do nosso país, não dá entrevistas, não posa para fotografias, não autografa, não mostra a casa e os filhos na “Caras”...

Então, por que raios este escriba está gastando os seus dedos escrevendo um texto puxando o saco do velhinho, e, o que é mais relevante, por que ele é tão lido e admirado? Bem, não tenho preocupação alguma em escrever algo relevante e, como disse acima, os jornais e revistas gastarão muitas páginas explicando, com muito mais propriedade, esse fenômeno. Da minha parte, posso dizer que gosto de Rubem Fonseca porque ele, acima de tudo, escreve extremamente bem. Subjetivo? Sim, claro. Vou tentar me explicar: Rubem Fonseca é um mestre na técnica de fazer fluir uma história. É uma espécie de senhor do tempo, cria suspense e o resolve quando acha conveniente, faz com que o leitor se coloque no lugar de seus personagens e tome partido nas situações, cria polêmicas e as destrói. Não é previsível, não tenta impor uma moral pré-fabricada, narra e deixa esse trabalho por conta do leitor. As referências que introduz em seus textos podem, em alguns casos, parecerem perdidas, mas nunca são inúteis: no mínimo fazem com que o leitor expanda o seu universo cultural e o incentiva a pesquisar sobre os temas que leu. Atiça a curiosidade pelo não corriqueiro, pelo submundo, pelo violento; e talvez aí esteja o seu diferencial e o que atraiu o grande público. Foi o primeiro cronista de um Rio de Janeiro violento e cruel, com o qual hoje estamos tão acostumados. Enfim, faz com que a leitura de seus livros, qualquer um deles, seja sempre uma experiência notável e um grande prazer. Stephen King disse uma vez que sua obra é o equivalente literário de um Big Mac com fritas; de forma tosca, eu diria que a obra de Rubem Fonseca encontra um equivalente gastronômico numa boa feijoada, um caldeirão de ingredientes esdrúxulos, que satisfaz plenamente alguns e causa embrulho no estômago de outros, e é brasileiríssima, por excelência.

Rubem Fonseca conseguiu conquistar um lugar ao sol na literatura contemporânea por causa e apesar de sua obra, sendo ele próprio um personagem complexo e contraditório. Fica aqui a minha homenagem aos 80 anos desse grande e prolífico escritor, e a torcida para que essa longevidade se estenda ainda mais.

Alguns bons textos inéditos e raridades de Rubem Fonseca podem ser lidos no site Portal Literal.

2 comentários:

Henrique disse...

Taí, essa a gente não tinha discutido sobre. Mas se for para escolher RF como escritor que mais gosto, ele só perde pro Fernando Sabino (e só as vezes...)
Abc!

Anônimo disse...

Aprendi muito