Imagine que você é treinador da seleção de futebol de um país tropical. Como esse país tropical é também abençoado por Deus, nele nasceram os dois maiores jogadores de futebol dos últimos tempos, e você tem a opção de contar com eles na sua seleção. Não por coincidência, os clubes pelos quais esses dois jogadores atuam têm as equipes mais bem-sucedidas do mundo, que conquistaram títulos nacionais e costumam avançar em torneios continentais. Por isso e por serem peças fundamentais em seus times, esses jogadores participam de muito mais jogos do que a média de seus colegas, e o consequente desgaste é inevitável. Para gozarem de um período de descanso decente, eles pedem dispensa de um torneio do qual a seleção do país tropical participa, torneio que nunca foi prioridade para essa seleção.
Após suas merecidas férias, esses jogadores retornam e são novamente convocados para a seleção. O que você, treinador, faz:
a) Compreende a situação, dá a eles um "welcome back" e os escala em seu time.
b) Não gosta muito da história da dispensa, mas como eles são os melhores do mundo e aceitaram de bom grado voltar à seleção, coloca eles no time, paciência.
c) Convoca os dois, mas deixa claro que eles iniciarão a próxima partida como reservas de um jogador que andou pelo banco de um time da Ucrânia, e agora atua em um time de terceiro escalão da Inglaterra e um outro que acabou de ser rejeitado por um time de primeira linha da Inglaterra e não sabe onde vai atuar nesta temporada.
Vai, Dunga. Vai pra casa.
quarta-feira, agosto 22, 2007
terça-feira, agosto 07, 2007
Ignorância ou má fé?
O Reinaldo Azevedo achou esta pérola na Folha de SP de hoje, de autoria de um tal Marcos Nobre (professor da Unicamp, segundo consta):
Ironias à parte, é difícil saber qual a proporção entre pura ignorância e a mais completa má fé do autor. Como se trata de um professor de uma das mais prestigiadas universidades do país, ambas as hipóteses são igualmente deploráveis.
"A superlotação das prisões é a outra face do Real e do modelo de desenvolvimento que inaugurou. As exportações e o investimento externo continuam crescendo na mesma proporção do aumento da violência."
Ora, achamos a solução para a superlotação das prisões. É só trocar o nome da moeda e mandar o Banco Central cuspir moeda na praça a um ritmo frenético. Assim, teríamos uma nova moeda, tão vagabunda quanto os cruzeiros, cruzados e afins do passado, e o problema das prisões estaria resolvido. Talvez fechar o país e proibir exportações e entrada de capitais externos também ajude. Da mesma forma que a queda no número de piratas no mundo explica o aquecimento global (ver gráfico abaixo), o "neoliberalismo" explica o aumento da população carcerária no Brasil. Brilhante!
Ironias à parte, é difícil saber qual a proporção entre pura ignorância e a mais completa má fé do autor. Como se trata de um professor de uma das mais prestigiadas universidades do país, ambas as hipóteses são igualmente deploráveis.
sexta-feira, julho 20, 2007
Uma imagem vale mais...
Esta é uma das imagens mais emblemáticas do governo Lula. Congratulações ao cinegrafista que teve a felcidade de capturá-la. Ao invés de pensar em soluções, os çábios assessores comemoram o encontro do bode expiatório do acidente, que mencionei no texto abaixo: foi o reverso da turbina! Foda-se a TAM! Fodam-se os críticos do governo! Lavamos nossas mãos!
Os jornais dizem que Lula vai se pronunciar hoje. Ele deveria anunciar a demissão da diretoria da Infraero, do ministro da defesa e dos dois cidadãos aí do lado. O que vai acontecer é a auto-exaltação habitual, dizendo que "acidentes acontecem", "nunca nestepaiz foi tão seguro voar" e "não tem nada errado com o nosso transporte aéreo". Eu continuo torcendo pela crise econômica. Quebra, mercado imobiliário americano! Volta, inflação!
Os jornais dizem que Lula vai se pronunciar hoje. Ele deveria anunciar a demissão da diretoria da Infraero, do ministro da defesa e dos dois cidadãos aí do lado. O que vai acontecer é a auto-exaltação habitual, dizendo que "acidentes acontecem", "nunca nestepaiz foi tão seguro voar" e "não tem nada errado com o nosso transporte aéreo". Eu continuo torcendo pela crise econômica. Quebra, mercado imobiliário americano! Volta, inflação!
quinta-feira, julho 19, 2007
Só a ponta do iceberg...
Em 24 horas Jack Bauer é capaz de salvar o mundo, mas o nosso presidente não consegue ir a público para, pelo menos, manifestar alguma consternação com o maior acidente da história da aviação brasileira. Isso para não mencionar que a empresa que administra os aeroportos é estatal, assim como o controle de vôo e, tirando as companhias aéreas, quase tudo que diz respeito a transporte aéreo no país. Se acrescentarmos que este é o segundo acidente gravíssimo em menos de um ano que, ao menos parcialmente, parece ter como responsáveis profissionais subordinados ao governo federal, temos a impressão de estarmos vivendo dentro de uma piada, de humor negro e extremo mau gosto.
O restante do enredo da piada já é conhecido, e o desfecho só tem graça para o grupelho que está tentando se perpetuar no poder: começa-se uma investigação em busca dos responsáveis, que vai se atolar em informações desencontradas, má vontade e incompetência. Depois de meses, quando os ânimos da população e da oposição estiverem esfriados, será encontrado um bode expiatório: o piloto, a Airbus, São Pedro, Baal... E a roleta russa do transporte aéreo no Brasil continuará. Até quando?
Lula e seu séqüito de çábios (será que o dr. Mangabeira Unger já está pensando em uma “ação de longo prazo” para o transporte?) precisam perceber que, no momento, mais importante do que tentar achar culpados para a tragédia passada é tomar providências para que eventos do mesmo tipo não se repitam no futuro (como se precisássemos de mais uma tragédia para lembrar disso...). É inadmissível que o governo não consiga liberar recursos ou organizar uma parceria com a iniciativa privada para investir em obras de infra-estrutura tão urgentes. Tão inadmissível que só é possível encontrar explicação para tanto descaso na mais simples e descarada falta de vontade. Afinal de contas, Lula governa para “o povo”, o que exclui a “elite”, da qual fazem parte os cerca de 15 milhões de brasileiros que utilizam transporte aéreo em um ano. Estes, que relaxem e gozem.
A estupidez brutal que está fazendo o governo perder uma das maiores oportunidades (só para lembrar, crescimento global exuberante, confortável situação externa do país, inflação baixa, alta popularidade do presidente e elevada confiança da população) de sua história para promover reformas que colocariam o país no caminho do desenvolvimento de longo prazo é pequena perto da crueldade que é submeter, por puro desleixo e incompetência, tantos cidadãos a inúmeros transtornos e riscos. A Tailândia entregou no ano passado um aeroporto internacional novíssimo, ao custo de US$ 3 bilhões, com capacidade para 45 milhões de passageiros por ano – mais do que o dobro do tráfego anual de Congonhas. O Brasil não teria a menor dificuldade de levantar, no mercado internacional, a juros baixos e prazos longos, esse montante (o impacto na dívida pública seria irrisório), para ficar em apenas uma das soluções mais simples. De onde se vê, novamente, que o problema passa longe da falta de acesso a recursos.
Outra medida bem-vinda seria a privatização da Infraero e do controle aéreo. O capitalismo pode não conseguir salvar o mundo, mas é terrivelmente eficiente em fiscalizar companhias. Ao contrário do que observamos hoje no estatismo brasileiro, empresas privadas não gozam do benefício da dúvida – haja vista o que aconteceu hoje com os preços das ações da TAM. Na incerteza da culpa e das conseqüências, o mercado puniu os acionistas da empresa com uma perda de 8.6% do capital investido. Se isso for um exagero momentâneo, será corrigido rapidamente. Se não, os acionistas poderão pressionar a direção da empresa para que seu valor seja recuperado. Esse sistema de “enforcement”, ainda que também sujeito à distorções, jamais conseguirá ser igualado pelo nosso sistema judiciário. A observação dos analistas e investidores, se não sempre precisa, é temida e ininterrupta, pelo simples fato de envolver dinheiro muitas vezes conseguido à duras penas.
O colapso do transporte aéreo nacional e suas centenas de vítimas fatais é apenas uma das faces do imobilismo, leniência e descaso de nossos governantes. Desde o dia em que tomou posse na presidência, o PT apenas tem se preocupado em aparelhar a máquina estatal e o partido, aliciar o maior número possível de aliados e tentar garantir a permanência no poder. Teve a sorte de encontrar uma conjuntura econômica rara e absolutamente benigna, que fez com que o país entrasse em uma rota de estabilidade e crescimento razoável sem muitos sacrifícios. A maioria da população, sem acesso à informação e observando uma melhora considerável no padrão de vida, não enxerga a corrosão lenta e constante do estado: o sucesso econômico age como um grande tapete, para baixo do qual é varrida toda a sujeira gerada por nossos políticos.
Assim como eu torci para que a seleção de futebol se arrebentasse na Copa América, para que houvesse a possibilidade de que fosse notada a idiotice que é colocar um amador para ocupar um cargo de importância (você entraria num prédio projetado por um estudante de segundo ano de engenharia civil?), me resta esperar por uma crise econômica de grandes proporções até 2010. A oposição, desagregada e inoperante, não parece capaz de lançar uma alternativa ao lulismo, de forma que só uma deterioração nas condições de vida de grande parte da população pode fazer com que o país mude seu voto e tenha a possibilidade de sair do atual ciclo de mediocridade institucional e operacional. Eu costumo dizer que, se, em 2010, o país estiver crescendo a 5% ao ano, com inflação baixa e continuidade dos programas sociais mais rudimentares, Lula elege dona Marisa como sua sucessora. É evidente que isso carrega uma boa dose de brincadeira, mas neste caso o tal fundo de verdade é simplesmente assustador.
O restante do enredo da piada já é conhecido, e o desfecho só tem graça para o grupelho que está tentando se perpetuar no poder: começa-se uma investigação em busca dos responsáveis, que vai se atolar em informações desencontradas, má vontade e incompetência. Depois de meses, quando os ânimos da população e da oposição estiverem esfriados, será encontrado um bode expiatório: o piloto, a Airbus, São Pedro, Baal... E a roleta russa do transporte aéreo no Brasil continuará. Até quando?
Lula e seu séqüito de çábios (será que o dr. Mangabeira Unger já está pensando em uma “ação de longo prazo” para o transporte?) precisam perceber que, no momento, mais importante do que tentar achar culpados para a tragédia passada é tomar providências para que eventos do mesmo tipo não se repitam no futuro (como se precisássemos de mais uma tragédia para lembrar disso...). É inadmissível que o governo não consiga liberar recursos ou organizar uma parceria com a iniciativa privada para investir em obras de infra-estrutura tão urgentes. Tão inadmissível que só é possível encontrar explicação para tanto descaso na mais simples e descarada falta de vontade. Afinal de contas, Lula governa para “o povo”, o que exclui a “elite”, da qual fazem parte os cerca de 15 milhões de brasileiros que utilizam transporte aéreo em um ano. Estes, que relaxem e gozem.
A estupidez brutal que está fazendo o governo perder uma das maiores oportunidades (só para lembrar, crescimento global exuberante, confortável situação externa do país, inflação baixa, alta popularidade do presidente e elevada confiança da população) de sua história para promover reformas que colocariam o país no caminho do desenvolvimento de longo prazo é pequena perto da crueldade que é submeter, por puro desleixo e incompetência, tantos cidadãos a inúmeros transtornos e riscos. A Tailândia entregou no ano passado um aeroporto internacional novíssimo, ao custo de US$ 3 bilhões, com capacidade para 45 milhões de passageiros por ano – mais do que o dobro do tráfego anual de Congonhas. O Brasil não teria a menor dificuldade de levantar, no mercado internacional, a juros baixos e prazos longos, esse montante (o impacto na dívida pública seria irrisório), para ficar em apenas uma das soluções mais simples. De onde se vê, novamente, que o problema passa longe da falta de acesso a recursos.
Outra medida bem-vinda seria a privatização da Infraero e do controle aéreo. O capitalismo pode não conseguir salvar o mundo, mas é terrivelmente eficiente em fiscalizar companhias. Ao contrário do que observamos hoje no estatismo brasileiro, empresas privadas não gozam do benefício da dúvida – haja vista o que aconteceu hoje com os preços das ações da TAM. Na incerteza da culpa e das conseqüências, o mercado puniu os acionistas da empresa com uma perda de 8.6% do capital investido. Se isso for um exagero momentâneo, será corrigido rapidamente. Se não, os acionistas poderão pressionar a direção da empresa para que seu valor seja recuperado. Esse sistema de “enforcement”, ainda que também sujeito à distorções, jamais conseguirá ser igualado pelo nosso sistema judiciário. A observação dos analistas e investidores, se não sempre precisa, é temida e ininterrupta, pelo simples fato de envolver dinheiro muitas vezes conseguido à duras penas.
O colapso do transporte aéreo nacional e suas centenas de vítimas fatais é apenas uma das faces do imobilismo, leniência e descaso de nossos governantes. Desde o dia em que tomou posse na presidência, o PT apenas tem se preocupado em aparelhar a máquina estatal e o partido, aliciar o maior número possível de aliados e tentar garantir a permanência no poder. Teve a sorte de encontrar uma conjuntura econômica rara e absolutamente benigna, que fez com que o país entrasse em uma rota de estabilidade e crescimento razoável sem muitos sacrifícios. A maioria da população, sem acesso à informação e observando uma melhora considerável no padrão de vida, não enxerga a corrosão lenta e constante do estado: o sucesso econômico age como um grande tapete, para baixo do qual é varrida toda a sujeira gerada por nossos políticos.
Assim como eu torci para que a seleção de futebol se arrebentasse na Copa América, para que houvesse a possibilidade de que fosse notada a idiotice que é colocar um amador para ocupar um cargo de importância (você entraria num prédio projetado por um estudante de segundo ano de engenharia civil?), me resta esperar por uma crise econômica de grandes proporções até 2010. A oposição, desagregada e inoperante, não parece capaz de lançar uma alternativa ao lulismo, de forma que só uma deterioração nas condições de vida de grande parte da população pode fazer com que o país mude seu voto e tenha a possibilidade de sair do atual ciclo de mediocridade institucional e operacional. Eu costumo dizer que, se, em 2010, o país estiver crescendo a 5% ao ano, com inflação baixa e continuidade dos programas sociais mais rudimentares, Lula elege dona Marisa como sua sucessora. É evidente que isso carrega uma boa dose de brincadeira, mas neste caso o tal fundo de verdade é simplesmente assustador.
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terça-feira, julho 10, 2007
Economistas, Esses Seres Estranhos...
Sabendo que trabalho como economista, vários amigos costumam perguntar como são feitas projeções sobre juros, câmbio, inflação e outras variáveis macroeconômicas. Hoje o presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, proferiu um belo discurso sobre expectativas de inflação e como projetar a inflação futura que responde a essa questão com muito mais propriedade e elegância do que eu seria capaz. Com o seu habitual tom professoral (quanta diferença do quase esoterismo do seu antecessor...), ele sugeriu que até o banco central mais poderoso do mundo é sujeito à velha e boa "dedada" (ou "chute orientado" - tradução para "guesstimate", para ser mais polido). Nas palavras dele (grifos meus):
Enough said...
"The Board staff employs a variety of formal models, both structural and purely statistical, in its forecasting efforts. However, the forecasts of inflation (and of other key macroeconomic variables) that are provided to the Federal Open Market Committee are developed through an eclectic process that combines model-based projections, anecdotal and other "extra-model" information, and professional judgment. In short, for all the advances that have been made in modeling and statistical analysis, practical forecasting continues to involve art as well as science."
O brilhante Laerte, anos atrás, já havia resumido isso a uma tirinha de 15 centímetros:
Enough said...
sexta-feira, junho 15, 2007
Rabbit, Run
Anteontem tive o imenso prazer de comparecer a um encontro com o escritor peruano Mario Vargas Llosa, por conta do relançamento, em Português, de dois dos seus romances: “A cidade e os cachorros”, a sua primeira obra do gênero, lançada na Espanha quando ele tinha apenas 26 anos e “Pantaleão e as visitadoras”, talvez seu livro de maior sucesso popular, de 1973. Vargas Llosa ganhou projeção fora do mundo literário em 1990, quando se candidatou à presidência do Peru. Com uma agenda radicalmente liberal e reformista, que visava recuperar o país do colapso econômico do primeiro mandato de Alan García e livrar o país do terror imposto pelo Sendero Luminoso, ele despontou inicialmente como grande favorito, sendo, porém ,derrotado nas últimas semanas de campanha por um obscuro engenheiro chamado Alberto Fujimori. Este passou à condição de ditador dois anos depois, em um bizarro “auto-golpe de estado”, que desviou mais uma vez o Peru do caminho da democracia. Posteriormente, Vargas Llosa narrou suas desventuras na corrida presidencial (alternadas com memórias de sua infância e adolescência) em “El pez em el agua” (que, salvo engano, não foi traduzido para o Português).
Embora curta, a trajetória política de Mario Vargas Llosa é tão excitante quanto a sua extensa carreira como escritor, e por isso fiquei um pouco decepcionado pelo fato de o debate ter se concentrado em aspectos literários. De qualquer forma, foi uma grande oportunidade para ouvir um grande escritor (talvez um dos mais importantes do mundo ainda vivo) falar sobre suas inspirações, influências (Sartre, Faulkner, Flaubert e o nosso Euclides da Cunha, que eu ainda, vergonhosamente, não consegui digerir), técnicas e estilo. Mas o que mais me impressionou foi, em resposta a uma pergunta da platéia sobre um possível “fim da literatura”, a defesa enfática e apaixonada feita por ele do livro, esse quase esquecido em nossos dias. Segundo ele, o livro, além de uma fonte inesgotável de prazer, é um promotor da democracia. Afinal, a leitura desperta o inquietamento e o questionamento: a boa literatura é provocativa, nos mostra novas maneiras de pensar e sentir, nos traz informações de outras regiões e culturas, nos incita a comparar e relativizar. Um cidadão que lê bastante é menos passível de ser ludibriado por seus governantes, e passa a ser um vigilante, um guardião do bom-senso e um combatente do autoritarismo. Ainda no pensamento de Vargas Llosa, as ditaduras costumam ter consciência desse poder da palavra escrita, frequentemente ceifando-o por meio da censura, direta ou indireta, e da perseguição a escritores.
Ainda que se possa argumentar que Vargas Llosa tenha exagerado na importância do livro para a democracia, sua postura é perfeitamente coerente com sua trajetória como intelectual. Ele sempre usou seus romances para denunciar a fraqueza institucional do Peru e sua pobreza e desigualdade. Ele é, parafraseando uma expressão aplicada ao grande Paulo Vanzolini, um intelectual “de unha suja”, que formou suas impressões a partir de viagens, experiências pessoais e um senso agudo de observação, aliado a uma crença inabalável no liberalismo e uma aversão às arbitrariedades de qualquer governo não-democrático. Poucos chegaram em seu nível de lucidez ao analisar os problemas crônicos da América Latina: ao invés de colocar a culpa de nossa pobreza e estagnação no “imperialismo”, na exploração capitalista e na busca incessante pelo lucro, ele costuma apontar como males maiores a incompetência e as tentações autoritárias dos nossos governantes, que, num círculo vicioso, se aproveitam da falta de educação do povo e a alimentam, para perpertuarem eles próprios e seus pequenos grupos de interesse no poder.
Resta pouca dúvida de que um dos caminhos mais diretos para se quebrar esse círculo é a universalização da educação e um trabalho árduo para a melhoria de sua qualidade (não basta o que foi feito, por exemplo, no Brasil - a transformação de legiões de completos analfabetos em legiões de analfabetos funcionais). Nesse sentido, tentando seguir a lógica aplicada por Vargas Llosa, seria justo afirmar que mais educação de qualidade implicaria em mais leitores (ou seja, demandantes de livros) críticos, contestadores e em condições de tomarem decisões conscientes e informadas. Sob essa ótica, é muito interessante observar uma estatística publicada pela Unesco (infelizmente atualizada apenas até 1996), que mede o número de novos títulos de livros lançados por ano em um grupo de países (que eu transformei para termos per capita, por razões óbvias). Não é preciso muito esforço para concluir que, com pouca dúvida, a oferta de novos títulos é uma função (dentre outros fatores) da demanda percebida por livros (duh...) e, consequentemente, do interesse da população de um determinado país por informação e conhecimento. O gráfico abaixo (clique para aumentar) deixa pouca dúvida de que Vargas Llosa está pelo menos vagamente correto. Os países no topo desse ranking são as democracias mais avançadas do mundo que, com frequência, aparecem na frente em comparações de outros diversos indicadores de desenvolvimento. Nosso Brasil e o Peru de Vargas Llosa fazem companhia a uma série de outros subdesenvolvidos, e devem continuar lá enquanto não passarem por profundas reformas (é curioso também observar como os Estados Unidos destoam de outros países ricos, mas isso é tema para outra longa análise).
Embora curta, a trajetória política de Mario Vargas Llosa é tão excitante quanto a sua extensa carreira como escritor, e por isso fiquei um pouco decepcionado pelo fato de o debate ter se concentrado em aspectos literários. De qualquer forma, foi uma grande oportunidade para ouvir um grande escritor (talvez um dos mais importantes do mundo ainda vivo) falar sobre suas inspirações, influências (Sartre, Faulkner, Flaubert e o nosso Euclides da Cunha, que eu ainda, vergonhosamente, não consegui digerir), técnicas e estilo. Mas o que mais me impressionou foi, em resposta a uma pergunta da platéia sobre um possível “fim da literatura”, a defesa enfática e apaixonada feita por ele do livro, esse quase esquecido em nossos dias. Segundo ele, o livro, além de uma fonte inesgotável de prazer, é um promotor da democracia. Afinal, a leitura desperta o inquietamento e o questionamento: a boa literatura é provocativa, nos mostra novas maneiras de pensar e sentir, nos traz informações de outras regiões e culturas, nos incita a comparar e relativizar. Um cidadão que lê bastante é menos passível de ser ludibriado por seus governantes, e passa a ser um vigilante, um guardião do bom-senso e um combatente do autoritarismo. Ainda no pensamento de Vargas Llosa, as ditaduras costumam ter consciência desse poder da palavra escrita, frequentemente ceifando-o por meio da censura, direta ou indireta, e da perseguição a escritores.
Ainda que se possa argumentar que Vargas Llosa tenha exagerado na importância do livro para a democracia, sua postura é perfeitamente coerente com sua trajetória como intelectual. Ele sempre usou seus romances para denunciar a fraqueza institucional do Peru e sua pobreza e desigualdade. Ele é, parafraseando uma expressão aplicada ao grande Paulo Vanzolini, um intelectual “de unha suja”, que formou suas impressões a partir de viagens, experiências pessoais e um senso agudo de observação, aliado a uma crença inabalável no liberalismo e uma aversão às arbitrariedades de qualquer governo não-democrático. Poucos chegaram em seu nível de lucidez ao analisar os problemas crônicos da América Latina: ao invés de colocar a culpa de nossa pobreza e estagnação no “imperialismo”, na exploração capitalista e na busca incessante pelo lucro, ele costuma apontar como males maiores a incompetência e as tentações autoritárias dos nossos governantes, que, num círculo vicioso, se aproveitam da falta de educação do povo e a alimentam, para perpertuarem eles próprios e seus pequenos grupos de interesse no poder.
Resta pouca dúvida de que um dos caminhos mais diretos para se quebrar esse círculo é a universalização da educação e um trabalho árduo para a melhoria de sua qualidade (não basta o que foi feito, por exemplo, no Brasil - a transformação de legiões de completos analfabetos em legiões de analfabetos funcionais). Nesse sentido, tentando seguir a lógica aplicada por Vargas Llosa, seria justo afirmar que mais educação de qualidade implicaria em mais leitores (ou seja, demandantes de livros) críticos, contestadores e em condições de tomarem decisões conscientes e informadas. Sob essa ótica, é muito interessante observar uma estatística publicada pela Unesco (infelizmente atualizada apenas até 1996), que mede o número de novos títulos de livros lançados por ano em um grupo de países (que eu transformei para termos per capita, por razões óbvias). Não é preciso muito esforço para concluir que, com pouca dúvida, a oferta de novos títulos é uma função (dentre outros fatores) da demanda percebida por livros (duh...) e, consequentemente, do interesse da população de um determinado país por informação e conhecimento. O gráfico abaixo (clique para aumentar) deixa pouca dúvida de que Vargas Llosa está pelo menos vagamente correto. Os países no topo desse ranking são as democracias mais avançadas do mundo que, com frequência, aparecem na frente em comparações de outros diversos indicadores de desenvolvimento. Nosso Brasil e o Peru de Vargas Llosa fazem companhia a uma série de outros subdesenvolvidos, e devem continuar lá enquanto não passarem por profundas reformas (é curioso também observar como os Estados Unidos destoam de outros países ricos, mas isso é tema para outra longa análise).
Divagações econômicas à parte, a idéia era render uma homenagem a um dos mais brilhantes ficcionistas e intelectuais do nosso continente, na ocasião de sua passagem por São Paulo. É com esse espírito que encerro este texto. Devemos muito a Vargas Llosa pela qualidade de sua arte, mas deveríamos muito mais se passássemos a seguir seu inconformismo com a desonestidade, a ignorância e o obscurantismo que, muitas vezes, nos são impostos. Vida longa para "el conejo"!
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O Tamanho do PIB do Brasil - Atualizado
Eu tinha comentado no post anterior que, por conta da valorização do real nos últimos anos, os resultados da comparação dos PIBs estaduais com outros países usando dados mais atualizados seria um tanto diferente - afinal de contas, se computado em dólar, o PIB brasileiro teve, desde 2004, o verdadeiro espetáculo do crescimento (60.8%), e agora o "nosso guia" pode apregoar que pela primeira vez na história estepaiz tem um PIB maior que um trilhão de dólares.
Resolvi fazer outro exercício simples para ver qual seria essa diferença: com os últimos dados do PIB anual (2006), calculei os PIBs estaduais mantendo a mesma proporção de 2004 (claro que nesse período devem ter havido mudanças na distribuição regional do produto, mas não as considerei), o que acho que é mais ou menos o que o Leonardo Monasterio fez no blog dele (aliás, ele também fez mapas similares com expectativas de vida para os estados do Brasil e dos EUA, vale conferir). Com esses dados, refiz o mapa (agora em uma resolução bem melhor), e os resultados está aqui:
Com os novos dados, São Paulo ganhou fiordes, a deslumbrante Dubrovnik virou vizinha da Praia do Rosa, Fauzi Beydoun deve estar muito orgulhoso pelo Maranhão ter assumido o nome de Jamaica e, mesmo que quisesse, eu não conseguiria produzir ironia semelhante a substituir o Rio de Janeiro pela Colômbia (com a ressalva de que eu estive em Bogotá e Cartagena no começo deste ano e tive a impressão de que, de fato, as coisas mudaram muito - e para melhor - por lá).
A tabela com os novos dados:
Resolvi fazer outro exercício simples para ver qual seria essa diferença: com os últimos dados do PIB anual (2006), calculei os PIBs estaduais mantendo a mesma proporção de 2004 (claro que nesse período devem ter havido mudanças na distribuição regional do produto, mas não as considerei), o que acho que é mais ou menos o que o Leonardo Monasterio fez no blog dele (aliás, ele também fez mapas similares com expectativas de vida para os estados do Brasil e dos EUA, vale conferir). Com esses dados, refiz o mapa (agora em uma resolução bem melhor), e os resultados está aqui:
Com os novos dados, São Paulo ganhou fiordes, a deslumbrante Dubrovnik virou vizinha da Praia do Rosa, Fauzi Beydoun deve estar muito orgulhoso pelo Maranhão ter assumido o nome de Jamaica e, mesmo que quisesse, eu não conseguiria produzir ironia semelhante a substituir o Rio de Janeiro pela Colômbia (com a ressalva de que eu estive em Bogotá e Cartagena no começo deste ano e tive a impressão de que, de fato, as coisas mudaram muito - e para melhor - por lá).
A tabela com os novos dados:
quinta-feira, junho 14, 2007
O Tamanho do PIB do Brasil
Um dos favoritos da casa, o Viaje na Viagem, postou um mapa dos EUA que substitui o nome dos estados por países com o mesmo PIB. O Riq disse que seria engraçado se alguém fizesse um similar para o Brasil, e eu gostei da idéia e resolvi usar os meus (escassos) dons de economista para executá-la. O resultado está aí. Para o Brasil, usei os dados do PIB por estado publicados pelo IBGE, comparando com os números dos países que o FMI disponibiliza no World Economic Outlook. Infelizmente, os últimos dados disponíveis pelo IBGE são de 2004. O resultado hoje seria um tanto diferente, principalmente porque, para comparar os PIBs, tive que transformar todos para dólar, e o real se valorizou muito desde então (para se ter uma idéia, o PIB do Brasil em dólares era, em 2004, algo em torno de US$ 664 bilhões, tendo passado para mais de US$ 1 trilhão em 2006). De qualquer maneira, acho que a brincadeira é válida, e dá uma idéia de quão grande o nosso país é economicamente. É interessante ver que o PIB de São Paulo, por exemplo, equivalia ao da África do Sul, o maior país do continente africano (na verdade, em 2004, o PIB do Brasil era bem pouco menor do que o PIB de TODA a África - 61 países e 900 milhões de pessoas - o que também é um sinal de que a discussão sobre pobreza por lá tem que ser em outro patamar).
Para os mais detalhistas, os dados que usei estão abaixo (é só clicar para aumentar):
quinta-feira, maio 10, 2007
Sobre dinheiro e governos
Notícia de hoje, no embalo da visita do papa a São Paulo:
A Fundação Cacique Cobra Coral, especializada em monitoramento das condições atmosféricas, avisa que foi convocada pela Prefeitura para garantir tempo bom na capital paulista durante a visita do papa Bento XVI. A operação, que a FCCC vem realizando desde o domingo, foi no sentido afastar 90% das chuvas previstas para a capital e desviá-las para o Sul de Minas Gerais, onde uma estiagem castiga a região. Mas as previsões meteorológicas afirmam que a temperatura durante a missa no Campo de Marte não deve ultrapassar os 10 º C.
A Fundação Cacique Cobra Coral, para quem não sabe, utiliza-se de uma médium, que incorpora o espírito do tal cacique e clama ter poderes capazes de influenciar o tempo e de fazer previsões sobre eventos de relevância mundial.
Estúpido o bastante, esse é um dos usos declarados dos impostos pagos pelos paulistanos. Imagine o que não é feito de forma mais velada. Como remédio, só resta evocar a racionalidade do saudoso Milton Friedman:
"There are four ways in which you can spend money. You can spend your own money on yourself. When you do that, why then you really watch out what you’re doing, and you try to get the most for your money. Then you can spend your own money on somebody else. For example, I buy a birthday present for someone. Well, then I’m not so careful about the content of the present, but I’m very careful about the cost. Then, I can spend somebody else’s money on myself. And if I spend somebody else’s money on myself, then I’m sure going to have a good lunch! Finally, I can spend somebody else’s money on somebody else. And if I spend somebody else’s money on somebody else, I’m not concerned about how much it is, and I’m not concerned about what I get. And that’s government. And that’s close to 40% of our national income."
sexta-feira, dezembro 22, 2006
2007
Uma ressalva a ser feita: o Natal existe há 2006 anos. O ano-novo, como o conhecemos, pelo calendário gregoriano, há mais de quatro séculos. Daí a dificuldade de se encontrar algo original e relevante a dizer no atual momento: em todo esse tempo, creio que esgotaram-se adjetivos, votos e pensamentos positivos. Obviamente, como menino de mentalidade mediana que sou, não conseguirei fugir da sina de apenas repetir, talvez numa ordem diferente, algo que já foi dito e revisitado e esquecido e relembrado durante esses anos.
Fiquei muito tempo pensando no que desejar para os meus amigos neste momento, além do básico saúde-dinheiro-paz-felicidade-amor. Por fim, resolvi torcer para que todos, transferindo algo que desejo muito para mim, tenham muito tempo livre em 2007.
Tempo livre, como se sabe, é um artigo muito raro nas nossas vidas frenéticas de aspirantes a adultos. Temos que trabalhar, estudar, dirigir, cumprir com obrigações sociais... tantas tarefas que fazem com que as 24 horas do dia muitas vezes pareçam ridiculamente insuficientes. Mais ainda quando pensamos na quantidade de prazeres dos quais temos que abdicar para parecermos cidadãos de respeito. Torço, portanto, para que encontremos tempo livre para nos dedicarmos às nossas famílias, amigos e demais pessoas queridas. Para que consigamos ler bons livros, ouvir sinfonias ou funks pancadão, visitar uma boa exposição de arte. Para que possamos filosofar, pensar no futuro da humanidade, nem que seja para que logo depois concluir com um “sei lá... sei lá... a vida tem sempre razão”. Tempo para dançar, namorar, montar um quebra-cabeças, fumar um charuto. Tempo até para pensarmos no que faríamos se tivéssemos mais tempo, ou no que compraríamos quando finalmente formos premiados na mega-sena. Enfim, tempo para a dita inutilidade, que, no fundo, é o que contribui para que o mundo ainda não tenha se tornado um aborrecimento completo, uma disputa de cachorros correndo atrás do próprio rabo.
Em resumo, divirtam-se em 2007!
Fiquei muito tempo pensando no que desejar para os meus amigos neste momento, além do básico saúde-dinheiro-paz-felicidade-amor. Por fim, resolvi torcer para que todos, transferindo algo que desejo muito para mim, tenham muito tempo livre em 2007.
Tempo livre, como se sabe, é um artigo muito raro nas nossas vidas frenéticas de aspirantes a adultos. Temos que trabalhar, estudar, dirigir, cumprir com obrigações sociais... tantas tarefas que fazem com que as 24 horas do dia muitas vezes pareçam ridiculamente insuficientes. Mais ainda quando pensamos na quantidade de prazeres dos quais temos que abdicar para parecermos cidadãos de respeito. Torço, portanto, para que encontremos tempo livre para nos dedicarmos às nossas famílias, amigos e demais pessoas queridas. Para que consigamos ler bons livros, ouvir sinfonias ou funks pancadão, visitar uma boa exposição de arte. Para que possamos filosofar, pensar no futuro da humanidade, nem que seja para que logo depois concluir com um “sei lá... sei lá... a vida tem sempre razão”. Tempo para dançar, namorar, montar um quebra-cabeças, fumar um charuto. Tempo até para pensarmos no que faríamos se tivéssemos mais tempo, ou no que compraríamos quando finalmente formos premiados na mega-sena. Enfim, tempo para a dita inutilidade, que, no fundo, é o que contribui para que o mundo ainda não tenha se tornado um aborrecimento completo, uma disputa de cachorros correndo atrás do próprio rabo.
Em resumo, divirtam-se em 2007!
terça-feira, novembro 28, 2006
O Procrastinador
A mente do procrastinador é doentia e ágil, muito ágil. Uma vez identificada a tarefa a ser realizada, ela calcula rapidamente, com uma precisão espantosa, quanto tempo será necessário para concluí-la. Depois, ocupa-se com outras tarefas completamente distintas e desconexas, até que soa um alarme avisando que só resta o tempo mínimo anteriormente calculado. E o corpo que se vire em suor, cabelos brancos e neurônios queimados para executar a tal tarefa. Na mente do procrastinador, o subconsciente domina o consciente, o racional é passado para trás.
Este texto é obra da mente de um procrastinador.
Este texto é obra da mente de um procrastinador.
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